O REVERSO DO DESTINO
(Jéssica Lutz - uma criança desaparecida...)
CAPÍTULO 3
No seu primeiro dia de folga, Laura foi ao encontro
de Leo, mas disse a Sandra que iria visitar parentes no fim
de semana.
Os namorados se encontraram
no quarto de pensão onde ela morara até
começar a
trabalhar na casa dos Lutz. A pensão ficava situada em um beco horroroso
no bairro da Cidade Nova,
Centro do Rio; era preferência de prostitutas e outros tipos infames. Laura preferiu
manter o
aluguel do quarto, pois somente ali poderia se encontrar com Leo, já que este
morava com os pais e não gostava de pagar motéis. Dizia que não gostava desses
tipos de lugares para encontros, mas não a convencia. No fundo, Laura
sabia que ele não gostava de ter despesas com mulheres; um projeto de gigolô. Porém, ela não insistia; desde que tivessem um
local onde
pudessem transar,
para ela, estava ótimo.
Laura
nunca se apaixonara por ninguém, não se importava com o lugar, mas sim com o quem e com o quê.
E
ele era bom no que fazia. Não era excelência, mas dava conta do
recado.
Ela agora estava livre daquelas
roupas comportadas que vestia para agradar os patrões. Trajava uma blusa preta
decotada com calças compridas e justas da mesma cor, quando
foi abrir a porta para Leo. Laura bebia cerveja no gargalo e ficou
em pé, parada
sob o
batente da porta, olhando para o rapaz
de cabelos lisos e
castanhos claros
que ali estava. Ambos ficaram se estudando por alguns instantes, quando ela começou a
lamber de forma lasciva o gargalo. Seu olhar “fervia” e ele sentia a
vibração da amante. Laura era muito fogosa, sedutora... e
experiente. Leo
costumava dizer que a
namorada
era um verdadeiro animal copulando... Ela não tinha inibições e poderia,
sem exageros,
fazer corar um profissional do sexo.
– E aí? – ela perguntou, lambendo
mais a garrafa. – Não vai entrar?
Ele a empurrou violentamente para dentro do
quarto, em direção à cama, e atirou-se sobre Laura; ela abria as pernas
e ria
alto.
– Agora... – ele murmurou, muito
excitado, abrindo o zíper de suas calças e tateando
a parceira.
– Sua puta... está sem calcinhas, não é?
– Putas não usam calcinhas, elas
só
atrapalham – disse e gargalhou.
Então, em meio a bofetadas,
arranhões e puxões de cabelos, eles fizeram sexo e sequer se lembraram de trancar a porta.
***
Na folga da babá, Marcelinho ficava na companhia de
uma acompanhante de fim de semana. E Sandra parecia não estar se
divertindo tanto quanto Laura. Pelo contrário, jantava em
um restaurante elegante no bairro de Ipanema, ao lado do esposo e de
um casal
de amigos, porém seus pensamentos vagavam. A conversa com o
policial Douglas vinha à sua mente durante todo o tempo. Mal
tocava na
comida, que já gelava no prato, o que chamou a atenção dos amigos. Pretendendo
disfarçar seu humor depressivo, o que não lhe era comum, Sandra pediu licença
para ir ao toillette, sendo
acompanhada pela inconveniente Margareth. Esta era a esposa de Raul, sócio de
Werner, e era uma mulher ridiculamente efusiva, fofoqueira e
fútil. Muito mais do que ela própria que não teve como impedir que a outra mulher a seguisse.
Sandra estava muito bem maquiada, mas dava pra
perceber seu abatimento, já que as olheiras insistiam em aparecer. Alheia
a tudo isto, Margareth iniciava o que mais parecia ser um monólogo, enquanto a
amiga,
sorrindo discretamente, entrava em uma das divisórias do banheiro. Só
queria
pensar, respirar fundo e nem mesmo o tom de voz monótono de Margareth a impediu:
– Querida, eu te falei da última reunião na casa
da minha irmã? Deixa eu te contar quem apareceu por lá, você não vai
acreditar...
E a esposa de Werner começava a ouvir novamente
a voz
grave do inspetor de polícia que a recebera logo após sua sessão
se ginástica, no primeiro dia de trabalho da nova babá:
– Eu estou estudando o caso agora, não fui eu quem começou as
investigações, mas...
– Pelo tempo
que passou, será que a Jéssica
ainda está viva? –
ela o interrompeu, estava visivelmente tensa.
Douglas manteve uma expressão preocupada; Sandra
percebeu.
– Nada é impossível, mas é estranho que não tenham feito contato, nem pedido
qualquer resgate.
– Na verdade, eles fizeram, sim. – Ela abaixou a cabeça, encarando o policial em seguida.
– E por que
vocês nunca contaram nada à polícia?
– Uma única vez... – seus
olhos se enchiam de lágrimas. –
Foi para o meu telefone celular.
Só que nunca mais entraram em contato. Disseram que se contasse a
alguém, até mesmo para o meu marido, matariam a minha filha.
– E nem depois de tanto tempo, mesmo depois deles sumirem,
a senhora procurou ajuda policial? Por quê?
– Eu fiquei apavorada! E pra ser sincera, como nunca
mais fizeram contato... – A
hesitação em continuar a explicação revelava terror. –
Eu passei a não ter mais esperanças.
– E agora? Voltou a ter?
– Douglas permanecia impassível, procurando reações suspeitas naquela mulher,
embora lhe parecesse que ela realmente sofria.
– Não...
A
expressão de Sandra era séria.
– Então, por que está me contando isso agora?
– Porque tenho uma desconfiança. – Desolada, sacudia a cabeça e parecia
confusa. – Eu recebi o telefonema na
época e anotei o número. Depois que passei muito tempo crendo no pior, pedi a um
amigo que checasse o número daquele telefone e ele me disse que a ligação
partiu de um telefone público, da cidade de Recife.
– E qual seria
a sua desconfiança?
– Na época do sequestro da Jéssica, o meu cunhado estava em Olinda,
vagabundeando pra variar.
– Referia-se ao irmão de Werner.
O
policial abriu mais os olhos,
mas deixou-a prosseguir.
– O Paulo sempre foi estranho, há anos usava drogas, nunca
teve compromisso com ninguém,
nem responsabilidades, enfim... é uma ovelha
negra na família.
– Mas qual motivo ele teria pra sequestrar a própria
sobrinha? Pelo pouco que sei, ele também tem boa situação financeira, ou estou
enganado?
Sandra parecia surpresa com o conhecimento do policial.
– Sim, ele tem dinheiro, mas o motivo seria outro – ela engolia seco e demonstrava
ódio ao falar.
– Qual?
– Douglas estava sentado agora com as pernas cruzadas, meio de lado e atrás da
mesa, virando uma caneta esferográfica entre os dedos, porém atento.
– Antes de eu me envolver com o Werner, eu namorei o Paulo. Não era nada sério, nós
saímos poucas vezes, mas ele ficou obcecado por mim. Depois
que soube que eu estava grávida do Werner, enlouqueceu e prometeu se vingar. Não aceitou
que eu o trocasse pelo irmão, muito menos que estivesse grávida do mesmo.
– E a sua prima? A primeira esposa do seu atual esposo?
Ele gostava de jogar com as palavras.
– O que tem ela?
– Ela não teria motivos para querer que a menina sumisse?
– Talvez...
Eu cheguei a acreditar nisso... Mas acho que
ela não seria capaz... – Sandra percebia o olhar repressor do policial, sabia que
não era bem vista por ter traído a prima.
– Ela também não imaginava que alguém de seu próprio sangue a traísse dentro de sua própria casa – Douglas disse e a mulher empalideceu. – Ela demonstrou estar muito ressentida
quando prestou depoimento,
segundo me informaram aqui na delegacia. E pouco
tempo depois se matou.
– Eu sei que eu errei. Mas eu me apaixonei, oras! – Orgulhosa, ela empinava o nariz.
Ele ergueu as sobrancelhas, mas continuou calado.
– E
o Werner não gostava mais da Marília – concluiu.
– Será que ela pensou dessa forma? Por que teria se matado, então? Remorsos? Teria se vingado na menina?
– Talvez,
não sei. Mas não descarto o
Paulo... – Cruzou os
braços com impaciência.
– Eu não disse que descartava. Aliás, eu
não descarto ninguém. Agora, quanto ao fato de sua prima ter cometido
suicídio... será que não a envenenaram?
– Pelo que eu sei, não encontraram impressões digitais no vidro de veneno. – Havia
chegado aonde ele queria.
– Exato. Nenhuma impressão digital, nem mesmo a dela.
O vidro estava limpinho.
– Logo?...
A
postura de Sandra agora era indiferente.
– Por que motivos
um suicida se preocuparia em apagar as próprias digitais? – Douglas questionou, encarando a
esposa de Werner, que ficou boquiaberta e permaneceu sem resposta.
Sandra foi despertada dessas lembranças pela voz
de Margareth, impaciente com sua demora. Ela então saiu sorrindo da
divisória do banheiro e
limitou-se a responder um: Vamos, querida.
***
No domingo à noite, Laura e Leo
foram à Lapa, terra da boemia carioca e local atualmente frequentado por todos os tipos de
pessoas, inclusive adolescentes. A diversidade de opções, especialmente
bares,
torna o local atrativo. Em um ambiente ao ar livre, muitas pessoas,
geralmente
acompanhadas por amigos, divertem-se ou procuram por prováveis relacionamentos
afetivos ou sexuais,
ocasionais ou mais sólidos.
Leo escolheu um bar onde já estava
acostumado a ir com Laura e eles começaram a conversar sobre o furto
que ele intencionava concretizar com a ajuda da namorada.
– Como foram esses três dias lá? – Ele mascava um chiclete,
mas estava apreensivo.
– Bem, acho que estão gostando de mim. O garoto
está, com
certeza.
– Não sabia que você tinha jeito com
crianças – zombou.
– Nem eu – deu de ombros –, sorte
a nossa,
não é?
– E a patroa?
– Perua até o cu! –
disse com
desprezo. – Eu pensei que ela fosse a mãe do garoto,
mas ela é
tia. Quer dizer, é prima. Pasme: o marido dela foi
casado com a sua falecida prima e esta sim era a mãe do
menino.
Leo olhava sério para a mesa
e questionou:
– E como você soube disso?
– O menino me contou.
Ela bebia uma cerveja gelada
e lambia
os lábios, que ainda estavam coloridos com o batom vermelho.
– Você está conversando com ele?
– Claro, ué! Eu sou a babá dele – respondeu com firmeza
e, em seguida, perguntou com certa malícia no olhar.
– Por quê? Por acaso, eu não deveria conversar
com ele?
– Sei lá, é que ele já saiu te contando
essas coisas... O moleque parece ser linguarudo, hein!?
– Não. É que ele não tem com quem conversar.
Laura se lembrava de sua infância, que também
fora bastante solitária, fato este ignorado por Leo. Aliás, o
namorado
só sabia de fatos selecionados de sua vida. Jamais entregava toda
sua história a quem quer que fosse. Não gostava de se
revelar completamente, porque isso poderia deixá-la nas
mãos de qualquer um. O segredo sobre certas coisas é primordial, um grande
amigo havia lhe ensinado. Se alguém quer manter algo em segredo, deve dividi-lo
apenas consigo mesmo, esta foi a lição que aprendera. Para ela, não existiam
confidentes, pois estes sempre seriam delatores em potencial.
– Aliás, querido... – Seu
olhar tornou-se pesado – por que você
não me contou que o garoto é órfão de mãe? – Ela tomava mais um gole da
cerveja, sem desviar os olhos.
– Por que eu deveria
saber? – Leo se ajeitava na cadeira, desviando o olhar.
– Porque o motorista que
saiu de lá era amigo do seu pai. Se ele contou sobre uma fortuna na casa, se
você pediu para eu me empregar lá e encontrar as joias com base no que ele
contou, é óbvio que ele teria passado informações sobre a família. Porra! – Laura
bateu com a tulipa na mesa, demonstrando irritação.
– Ah, eu me esqueci – Leo
não a convencia. – Desculpa.
– Cuidado, gato...
Laura se recostou na cadeira,
encarando o namorado e deixando-o desconfortável.
– Eu não gosto que me enganem e
muito menos que me usem!
– Que paranoia, mulher!
– retrucou, elevando o tom da voz, mas ela não se abalou e simplesmente sorriu.
Estava incomodada com a atitude dele.
– O aviso foi dado, gatinho...
– E aí, a cobertura é muito grande?
– Ele queria sair pela tangente e ela resolveu deixar o assunto morrer; pelo
menos naquele momento.
– Imensa! – Agora falava com prazer. – Ai, eu me perco ali
dentro! – Ela jogava a cabeça para trás
num gesto de êxtase
e quando voltou à posição normal, olhou para o lado
direito e
viu um homem de cabelos compridos, ondulados e escuros, observando-a. Estava
com um grupo de motoqueiros e usava roupas pretas
de couro; parecia ter uns
quarenta anos no máximo e tinha um aspecto meio latino, até
mesmo zíngaro.
Assemelhava-se fisicamente a algum artista famoso, mas Laura não conseguia se
lembrar de qual, e isto a instigou a olhar mais em sua direção.
– Já começou a procurar o
cofre? –
Leo perguntou e Laura
disfarçava para que ele não visse o homem charmoso paquerando-a.
– Sim, mas vamos ter que manter a paciência. Tem uma governanta lá
que é “carne de pescoço”. A vaca vive me vigiando.
Olhou novamente para o lado e o homem continuava
com os olhos fixos nela, enquanto conversava com outros motoqueiros. Tinha
um sorriso bastante sedutor e ela, por sua vez, estava provocante e tinha consciência disto.
Nem parecia a recatada e doce babá. Aliás, não era nada
daquilo mesmo, nunca fora. Depois de ter transado
com Leo, tomara um banho e mudara de roupas; trajava agora um vestido preto não
muito curto, mas justo e sexy e que favorecia seu corpo
bem feito.
Os cabelos estavam soltos; parecia uma pantera. E aquele homem parecia
gostar do tipo de mulher que ela retratava.
– O que foi? – Leo percebeu que ela estava distante.
– Nada, por quê?
– Você está meio distraída – disse ele e viu o imponente motoqueiro olhando para sua
namorada. Esta
ficou preocupada, pois tudo lhe dava motivo para
arrumar brigas.
– Ah, sua vadia... já tá caçando macho, né? Na minha cara?
– Se você começar com a palhaçada de sempre, eu
te largo
aqui sozinho. – Ela olhou furiosa para ele, mas disfarçava com um
sorriso, pois o belo homem continuava a observá-la.
– E se aquele babaca continuar a te olhar, eu vou partir pra cima
dele! – Leo segurava com força a mão de
Laura
sobre a mesa.
– Você já viu com quantos amigos ele está?
Leo olhou ao redor e sentiu que não era a hora
de arrumar encrenca.
– Quer levar uma surra, é?
– Laura falava quase rangendo os dentes.
– Vamos embora daqui.
Leo olhou para o outro homem que o desafiava
cinicamente com o olhar e parecia não se incomodar com o
seu comportamento
agressivo.
Pagou
ao garçom e puxou a moça pelo braço, pois queria sair logo dali.
Ele sabia que estava em desvantagem e detestava ter de admiti-lo.
Após se afastarem do ambiente, ambos circularam bastante,
encontraram alguns conhecidos e voltaram para o quartinho de Laura, esbarrando em alguns bêbados
inofensivos sentados na entrada da pensão decadente. Ela bebera razoavelmente, a imagem daquele homem
não saía de sua cabeça e não sabia por quê. Ele parecia ter dinheiro, pelo seu
porte,
pelas roupas e acessórios que usava. Seu grupo de amigos
também. Percebia-se que eram pessoas de
boa
situação financeira. Contudo, seu jeito era meio selvagem. Aquele
homem era diferente
do namorado que era um rebelde sem causa, como a própria
mãe
dizia.
Leo era um marginalzinho, esta era a verdade. Já aquele homem,
tinha algo
a mais.
Laura olhou para o namorado, este
já menos
irritado, e puxou-o até o quarto. Ele queria ir embora,
tinha umas coisas para resolver, mas
ela não quis saber. A única coisa que
ele tinha para resolver naquele momento era fazê-la se
esquecer
daquele sedutor incomum que a devorava com os olhos horas antes.
E que, infelizmente, não veria mais.